Introdução à Produção Cultural
por Vanessa Rocha
Bacharel em Produção Cultural pela Universidade Federal Fluminense. Professora substituta do curso na área de Planejamento Cultural. Produtora cultural da UFRJ, sócia e gerente de projetos da Mafuá Produções Culturais.
1. Introdução
A produção cultural, assim designada como um saber específico, é uma atividade recente. Embora a produção de atividades culturais exista há muito tempo, a criação de um saber determinado atendeu a realidade que vinha se configurando a partir das discussões sobre cultura no país e no mundo com o crescimento das indústrias culturais a partir da década de 80. O primeiro curso brasileiro de graduação em produção cultural, o curso da UFF, nasceu em 1996 fruto desse contexto, percebendo e antecipando essa realidade que começa a ser construída por artistas, gestores, administradores e os já intitulados produtores culturais. Desde então, estamos acompanhando uma sistematização cada vez maior desse saber através da criação de cursos de produção e gestão cultural e de procedimentos padronizados de construção de projetos e programas culturais.
Para refletirmos a produção cultural como saber é importante destacar que a palavra cultura é também recente, criada no século XIX na Europa, o que aponta para uma necessidade de nomear aquilo que os europeus vinham “descobrindo” pelo mundo mas não conseguiam caracterizar. Ou seja, nasce para dar conta da diferenciação entre aquilo que era o modo de vida europeu e o que era o modo de vida do “selvagem”, do “outro”. O século XX é assim marcado, dentre outras coisas, pelo uso disso que se começou a chamar de cultura, que foi desenvolvido pela antropologia e muito utilizado por governos e empresas de todo mundo. No Brasil a palavra aparece com veemência na fala dos intelectuais do modernismo prosseguindo até a criação de um Ministério de Cultura na década de 80, onde ganha sua legitimidade governamental definitiva e é incorporada de vez a fala dos mais diferentes grupos do país que reivindicam para si políticas culturais específicas.
Félix Guattari, um pensador francês que construiu um pensamento liberto e libertário em andanças pelo mundo, muitas delas pelo Brasil e América Latina, diz que cultura é um conceito reacionário, ou seja, seu uso está sempre atrelado a política e faz parte de um processo de subjetivação. O pensador defende a existência de três culturas: a cultura-valor; a cultura-alma-coletiva; e a cultura-mercadoria. Evidencia, assim, aquilo que Foucault, também pensador francês e um dos mais importantes do século XX, já havia dito: que nenhum conceito existe por si mesmo até que seja configurado na prática. A cultura, nesse sentido, só existe enquanto algo que se pratica, que é ação, e então ela ganha seu significado. Para ele, hoje a cultura estaria no âmbito do mercado, seria a peça participante da sujeição subjetiva do que ele chama de Capitalismo Mundial Integrado, enquanto o capital se responsabilizaria por uma sujeição material. É nesse sentido que fica difícil, por exemplo, reivindicarmos uma cultura e, logo, uma política, pois falar de cultura hoje, para ele, é correr o risco de ser capturado como nicho de mercado, quando não como um gueto para o qual as políticas públicas se voltam mas não conseguem atender devido as próprias limitações do Estado como instituição em crise e como lógica de representação.
Assim, atravessando toda essa discussão, vamos falar de modos de vida. Se há um saber configurado, é possível reconfigurá-lo, usá-lo de acordo com os interesses que nos cabem. Se falar em cultura é um problema, falemos em expressões singulares que merecem espaço em uma realidade que tenta nos mostrar um rosto homogêneo e nos convencer que um padrão de vida e de indivíduo deve se sobrepor. Falemos em diferença e pensemos a produção cultural como um espaço de realização dessas diferenças, um espaço de multiplicidade, este movimento tão caro que falta ao discurso da diversidade tão difundido hoje em dia. Desta forma, abordaremos na aula a produção cultural como ação política, atividade econômica, e como prática, para fecharmos com um entendimento da produção cultural no país por uma perspectiva histórica.
2. A produção cultural como ação política
Nenhuma ação ou prática deixa de ser política, uma vez que são discursos sendo propagados, ordenados, logo, constituindo saberes; e os saberes não se dão sem participarem de relações de poder, sem se constituírem em jogos de força. Visualizando assim, o discurso como prática em movimento, podemos pensar a produção cultural como algo que definitivamente não está dado, logo pode ser construído.
Toda ação gera impacto e efeito na vida das pessoas, no cotidiano, nas cidades e lugares. Nesse sentido é também política. Veicula modos de vida, visões de mundo, afeta e é afetada. Logo, como ação política, é um espaço de construção de sentido e significado, de criação da realidade.
3. A produção cultural como atividade econômica
Todas as atividades hoje em dia, de alguma maneira, podem ser atividades econômicas. Elas se inserem em um contexto de mercado, geram emprego e renda, participam ativamente da economia global. As atividades culturais, por exemplo, já respondem por 5% do PIB mundial. Os impactos econômicos de uma ação cultural podem contribuir para a revitalização de uma área urbana, para o desenvolvimento local, para o crescimento econômico de um país.
Há exemplos que podemos visualizar, muitos deles internacionais, mas importantes para nos ajudar a pensar o que podemos fazer em nossas realidades locais. Infelizmente as pesquisas em Economia da Cultura no Brasil ainda são muito incipientes, não há análises de impacto. E ainda é preciso entender que não necessariamente desenvolvimento econômico significa desenvolvimento social.
4. A prática da produção cultural
O sistema de produção cultural é composto por quatro fases ou etapas: a produção, a distribuição, a troca e o uso. Cada uma dessas fases necessita de políticas e empreendimentos específicos, caso contrário o sistema se torna falho e o objetivo de um produto ou bem cultural não se realiza.
Veremos o que compõe cada uma das fases e quais as diferenças entre projeto, produto, bem, ação, programa e política cultural, além dos conceitos que permeiam a atividade de produção de cultura, como cultura popular e erudita, cultura de massas, espaço cultural, marketing cultural, indústria cultural, entre outros, e dados do mercado cultural no Brasil.
5. Produção cultural no Brasil
O Ministério da Cultura e as representações regionais [secretarias, departamentos etc] são frutos de uma discussão que se faz desde a década de 20 e que culminou com a implantação do Departamento Nacional de Cultura no primeiro governo de Getúlio Vargas.
Hoje, as políticas do Ministério abarcam uma gama de questões, que passam pela Lei Rouanet, a Economia da Cultura, a Diversidade e a Cultura Digital. Podemos ver ainda a questão cultural dentro dos departamentos de marketing e comunicação das empresas e nas falas dos grupos sociais mais diversos.
A produção cultural apóia-se muito nas políticas governamentais pelo caráter predominante de bem público dos produtos culturais. No Brasil, parte desse apoio se transformou em dependência através de uma política de incentivo fiscal conduzida pelo uso da Lei Rouanet, o que vem sendo a centralidade das discussões na atualidade da produção cultural brasileira.
Bibliografia para aprofundamento
Livros
Benhamou, Françoise. A economia da cultura. São Paulo: Ateliê Editorial, 2007.
Canclini, Nestor Garcia. A globalização imaginada. São Paulo: Iluminuras, 2003.
Canclini, Nestor Garcia. Culturas híbridas. São Paulo: Edusp, 1997.
Coelho, Teixeira. Dicionário Crítico de Políticas Culturais. São Paulo: Iluminuras, 1999.
Foucault, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Edições Loyola, 1996.
Guattari, F. e Rolnik, S. Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis: Ed. Vozes, 2005.
Hall, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003.
Oliveira, Lúcia Maciel Barbosa de. Corpos indisciplinados: ação cultural em tempos de biopolítica.
São Paulo: Via Lettera, 2007.
Ortiz, Renato. Mundialização e cultura. São Paulo: Brasiliense, 2000.
Reis, Ana Carla Fonseca. Economia da cultura e desenvolvimento sustentável. São Paulo: Ed.
Manole, 2007.
Reis, Ana Carla Fonseca. Marketing cultural e financiamento da cultura. São Paulo: Ed. Thomson,
2002.
Slack, N., Chambers, S. et al. Administração da produção. São Paulo: Ed. Atlas, 1999.
Sites
Cultura e Mercado: www.culturaemercado.com.br
Ministério da Cultura: www.cultura.gov.br
por Vanessa Rocha
Bacharel em Produção Cultural pela Universidade Federal Fluminense. Professora substituta do curso na área de Planejamento Cultural. Produtora cultural da UFRJ, sócia e gerente de projetos da Mafuá Produções Culturais.
1. Introdução
A produção cultural, assim designada como um saber específico, é uma atividade recente. Embora a produção de atividades culturais exista há muito tempo, a criação de um saber determinado atendeu a realidade que vinha se configurando a partir das discussões sobre cultura no país e no mundo com o crescimento das indústrias culturais a partir da década de 80. O primeiro curso brasileiro de graduação em produção cultural, o curso da UFF, nasceu em 1996 fruto desse contexto, percebendo e antecipando essa realidade que começa a ser construída por artistas, gestores, administradores e os já intitulados produtores culturais. Desde então, estamos acompanhando uma sistematização cada vez maior desse saber através da criação de cursos de produção e gestão cultural e de procedimentos padronizados de construção de projetos e programas culturais.
Para refletirmos a produção cultural como saber é importante destacar que a palavra cultura é também recente, criada no século XIX na Europa, o que aponta para uma necessidade de nomear aquilo que os europeus vinham “descobrindo” pelo mundo mas não conseguiam caracterizar. Ou seja, nasce para dar conta da diferenciação entre aquilo que era o modo de vida europeu e o que era o modo de vida do “selvagem”, do “outro”. O século XX é assim marcado, dentre outras coisas, pelo uso disso que se começou a chamar de cultura, que foi desenvolvido pela antropologia e muito utilizado por governos e empresas de todo mundo. No Brasil a palavra aparece com veemência na fala dos intelectuais do modernismo prosseguindo até a criação de um Ministério de Cultura na década de 80, onde ganha sua legitimidade governamental definitiva e é incorporada de vez a fala dos mais diferentes grupos do país que reivindicam para si políticas culturais específicas.
Félix Guattari, um pensador francês que construiu um pensamento liberto e libertário em andanças pelo mundo, muitas delas pelo Brasil e América Latina, diz que cultura é um conceito reacionário, ou seja, seu uso está sempre atrelado a política e faz parte de um processo de subjetivação. O pensador defende a existência de três culturas: a cultura-valor; a cultura-alma-coletiva; e a cultura-mercadoria. Evidencia, assim, aquilo que Foucault, também pensador francês e um dos mais importantes do século XX, já havia dito: que nenhum conceito existe por si mesmo até que seja configurado na prática. A cultura, nesse sentido, só existe enquanto algo que se pratica, que é ação, e então ela ganha seu significado. Para ele, hoje a cultura estaria no âmbito do mercado, seria a peça participante da sujeição subjetiva do que ele chama de Capitalismo Mundial Integrado, enquanto o capital se responsabilizaria por uma sujeição material. É nesse sentido que fica difícil, por exemplo, reivindicarmos uma cultura e, logo, uma política, pois falar de cultura hoje, para ele, é correr o risco de ser capturado como nicho de mercado, quando não como um gueto para o qual as políticas públicas se voltam mas não conseguem atender devido as próprias limitações do Estado como instituição em crise e como lógica de representação.
Assim, atravessando toda essa discussão, vamos falar de modos de vida. Se há um saber configurado, é possível reconfigurá-lo, usá-lo de acordo com os interesses que nos cabem. Se falar em cultura é um problema, falemos em expressões singulares que merecem espaço em uma realidade que tenta nos mostrar um rosto homogêneo e nos convencer que um padrão de vida e de indivíduo deve se sobrepor. Falemos em diferença e pensemos a produção cultural como um espaço de realização dessas diferenças, um espaço de multiplicidade, este movimento tão caro que falta ao discurso da diversidade tão difundido hoje em dia. Desta forma, abordaremos na aula a produção cultural como ação política, atividade econômica, e como prática, para fecharmos com um entendimento da produção cultural no país por uma perspectiva histórica.
2. A produção cultural como ação política
Nenhuma ação ou prática deixa de ser política, uma vez que são discursos sendo propagados, ordenados, logo, constituindo saberes; e os saberes não se dão sem participarem de relações de poder, sem se constituírem em jogos de força. Visualizando assim, o discurso como prática em movimento, podemos pensar a produção cultural como algo que definitivamente não está dado, logo pode ser construído.
Toda ação gera impacto e efeito na vida das pessoas, no cotidiano, nas cidades e lugares. Nesse sentido é também política. Veicula modos de vida, visões de mundo, afeta e é afetada. Logo, como ação política, é um espaço de construção de sentido e significado, de criação da realidade.
3. A produção cultural como atividade econômica
Todas as atividades hoje em dia, de alguma maneira, podem ser atividades econômicas. Elas se inserem em um contexto de mercado, geram emprego e renda, participam ativamente da economia global. As atividades culturais, por exemplo, já respondem por 5% do PIB mundial. Os impactos econômicos de uma ação cultural podem contribuir para a revitalização de uma área urbana, para o desenvolvimento local, para o crescimento econômico de um país.
Há exemplos que podemos visualizar, muitos deles internacionais, mas importantes para nos ajudar a pensar o que podemos fazer em nossas realidades locais. Infelizmente as pesquisas em Economia da Cultura no Brasil ainda são muito incipientes, não há análises de impacto. E ainda é preciso entender que não necessariamente desenvolvimento econômico significa desenvolvimento social.
4. A prática da produção cultural
O sistema de produção cultural é composto por quatro fases ou etapas: a produção, a distribuição, a troca e o uso. Cada uma dessas fases necessita de políticas e empreendimentos específicos, caso contrário o sistema se torna falho e o objetivo de um produto ou bem cultural não se realiza.
Veremos o que compõe cada uma das fases e quais as diferenças entre projeto, produto, bem, ação, programa e política cultural, além dos conceitos que permeiam a atividade de produção de cultura, como cultura popular e erudita, cultura de massas, espaço cultural, marketing cultural, indústria cultural, entre outros, e dados do mercado cultural no Brasil.
5. Produção cultural no Brasil
O Ministério da Cultura e as representações regionais [secretarias, departamentos etc] são frutos de uma discussão que se faz desde a década de 20 e que culminou com a implantação do Departamento Nacional de Cultura no primeiro governo de Getúlio Vargas.
Hoje, as políticas do Ministério abarcam uma gama de questões, que passam pela Lei Rouanet, a Economia da Cultura, a Diversidade e a Cultura Digital. Podemos ver ainda a questão cultural dentro dos departamentos de marketing e comunicação das empresas e nas falas dos grupos sociais mais diversos.
A produção cultural apóia-se muito nas políticas governamentais pelo caráter predominante de bem público dos produtos culturais. No Brasil, parte desse apoio se transformou em dependência através de uma política de incentivo fiscal conduzida pelo uso da Lei Rouanet, o que vem sendo a centralidade das discussões na atualidade da produção cultural brasileira.
Bibliografia para aprofundamento
Livros
Benhamou, Françoise. A economia da cultura. São Paulo: Ateliê Editorial, 2007.
Canclini, Nestor Garcia. A globalização imaginada. São Paulo: Iluminuras, 2003.
Canclini, Nestor Garcia. Culturas híbridas. São Paulo: Edusp, 1997.
Coelho, Teixeira. Dicionário Crítico de Políticas Culturais. São Paulo: Iluminuras, 1999.
Foucault, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Edições Loyola, 1996.
Guattari, F. e Rolnik, S. Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis: Ed. Vozes, 2005.
Hall, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003.
Oliveira, Lúcia Maciel Barbosa de. Corpos indisciplinados: ação cultural em tempos de biopolítica.
São Paulo: Via Lettera, 2007.
Ortiz, Renato. Mundialização e cultura. São Paulo: Brasiliense, 2000.
Reis, Ana Carla Fonseca. Economia da cultura e desenvolvimento sustentável. São Paulo: Ed.
Manole, 2007.
Reis, Ana Carla Fonseca. Marketing cultural e financiamento da cultura. São Paulo: Ed. Thomson,
2002.
Slack, N., Chambers, S. et al. Administração da produção. São Paulo: Ed. Atlas, 1999.
Sites
Cultura e Mercado: www.culturaemercado.com.br
Ministério da Cultura: www.cultura.gov.br
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