por João Guerreiro (doutorando UFRJ e coordenador da Ação da Cidadania)
Rio de Janeiro – dezembro de 2008
INTRODUÇÃO 05
1. DAS TREVAS À LUZ - O INÍCIO DE UMA POLÍTICA CULTURAL BRASILEIRA? 08
2. O “FINANCIAMENTO AOS COMPADRES”: A LEI 7505/86 (LEI SARNEY) 11
3. A LEI 8313/91 (lei ROUANET): INCENTIVO E SELETIVIDADE
CONTROLADA PELO ESTADO? 14
4. O DECRETO Nº 5761/2006: REGULAMENTAÇÃO E DIRECIONAMENTO
DO PROGRAMA NACIONAL DE APOIO À CULTURA (PRONAC) 18
5. INDICADORES DA EXCLUSÃO CULTURAL NO BRASIL 24
6. O PROGRAMA CULTURA, EDUCAÇÃO E CIDADANIA: CULTURA VIVA 28
Os beneficiários 32
7. AVALIAÇÃO PILOTO 34
8. DESAFIOS 36
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 38
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 Mecenato: Concentração regional de incentivos (1998/2001) 18
Figura 2 Composição do consumo cultural por extrato de renda 24
Figura 3 Mapa 1: Municípios com equipamentos culturais: Brasil, 2006 26
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Dotação para cada Programa do MinC no exercício de 2004 21
Tabela 2: Dotação para cada Programa do MinC no exercício de 2005 21
Tabela 3: Dotação para cada Programa do MinC no exercício de 2006 22
Tabela 4: Dotação para cada Programa do MinC no exercício de 2005 22
Tabela 5: Dotação para o Programa Cultura, Educação e Cidadania
(Cultura Viva) no período 2004-2007 23
INTRODUÇÃO
Desde 2003, a reversão do papel do Estado brasileiro na execução de políticas culturais através do Ministério da Cultura (MinC) vem trazendo para o centro do debate contemporâneo as premissas adotadas tanto no que se refere ao papel do financiamento público, como da intervenção estatal em contra-ponto à regulação via mercado (ver MICELI (1985), BOTELHO (2001), COELHO (2004) e RUBIM (2007).
É neste contexto que o presente texto busca analisar, mesmo que de forma ainda insipiente, o papel da política cultural no governo Luís Ignácio da Silva (Lula), tendo como recorte, o Programa Cultura Viva. A justificativa para a análise deste programa se fundamenta na tese de ser este, uma inovação no que diz respeito à adoção de uma política cultural ativa direcionada à cultura popular, tendo como objetivo atuar de forma transversal no aparelho de Estado e de forma horizontal junto à sociedade civil. Atuando junto a um público de baixa renda, jovem e excluído do mercado cultural nacional, o Programa Cultura Viva, através dos Pontos de Cultura, se estabelece como uma política cultural de inserção social.
Inicialmente será feita uma breve discussão sobre os marcos do papel do Estado na área cultural, buscando demonstrar que a política cultural, apesar de ser marcada por ausências, autoritarismos, instabilidades e desafios por parte do Estado brasileiro, tem em 1985, um “divisor de águas” – a lei 7505/86 (lei Sarney).
Em seguida, será apresentado o “aperfeiçoamento” desta legislação, estruturado na forma da lei 8313/91 - mais conhecida como a lei Rouanet - que passa a regular a política cultural e que, apesar de modificações recentes, ainda é a melhor forma de entender as principais políticas (ou ausência delas) para uma importante parcela dos atores sociais que conformam o panorama cultural brasileiro.
Finalizando este texto será apresentado o Programa Cultura Viva, que uma parcela dos pesquisadores analisam como uma inflexão na política cultural brasileira e que consubstancia a hipótese de uma política cultural com caráter de política social. Esta análise estará baseada em uma avaliação piloto desenvolvida em 2006 pelo Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (LPP/UERJ) e por experiência do autor participante de fóruns regionais e nacional dos Pontos de Cultura.
Neste ponto, cabe ressaltar que o texto trata de uma incursão inicial do autor, coordenador de um Ponto de Cultura (uma das ações, para não dizer a mais importante delas, do Programa Cultura Viva), sobre um tema que ainda necessita de maior discussão e aprofundamento pela sua breve existência no âmbito das políticas. Neste sentido,, o texto não pretende se constituir como um estudo de caso de um Ponto de Cultura – por mais importantes que a utilização de cases tenha ganhado notoriedade na formulação acadêmica a partir da década de 1990 – e muito menos se utilizar do papel do autor na execução de uma pequena parte das ações do Programa. Mas, na avaliação final, as discussões nos fóruns onde o autor, por força do ofício, se fez representar, serão apropriadas e apresentadas.
Feitas estas considerações iniciais, é importante salientar que a insipiência de uma política pública de cultura nos moldes do Programa Cultura Viva se constitui num um desafio, não apenas para as avaliações acadêmicas, como também para os próprios formuladores de políticas públicas e para o público beneficiário desta ação.
1. DAS TREVAS À LUZ - O INÍCIO DE UMA POLÍTICA CULTURAL BRASILEIRA?
Refletir sobre o patrimônio simbólico de uma sociedade não é tarefa trivial. O conceito de cultura adotado por determinado governo na definição de uma política de Estado refletirá diferenciadamente na execução da política cultural a ser executada. O ponto de partida da abordagem que será utilizada no decorrer deste texto para fazer uma breve avaliação do Programa Cultura Viva, na gestão Gilberto Gil/Juca Ferreira à frente do Ministério da Cultura, desde de 2003, se baseia na definição de COELHO (2004) que entende a política cultural como “programa de intervenções realizadas pelo Estado, instituições civis, entidades privadas ou grupos comunitários com o objetivo de satisfazer as necessidades culturais da população e promover o desenvolvimento de suas representações simbólicas”.
Esta concepção, apesar de não ser hegemônica, vê a política cultural além das amarras burocráticas do trinômio planejamento, concepção e gestão da cultura onde a criatividade dos formuladores de políticas se vê tolhida. Coelho (op. cit.) defende que uma política pública na área cultural estabelece nexos e relações com diversos atores como o Estado, os produtores da cultura, movimentos sociais, instituições não governamentais, grupos comunitários e com um novo ente, o setor privado. Esta tese permite pensar acerca das motivações, orientações e busca da legitimidade para as ações dos diversos grupos que venham a conceber uma política cultural.
Em suma, uma política pública na área cultural, se constitui a partir de uma gama de valores e significados que definem tanto o papel da cultura na sociedade, como também o próprio papel de uma política cultural na esfera pública estatal. Neste sentido, importa fazer uma pequena retrospectiva do papel do estado na política cultural para, à luz dela, dialogar com o papel da política cultural do período 2003/2008
Vários autores[1] vêem no início do governo Getúlio Vargas (1930/1945) os marcos da intervenção estatal na elaboração de uma política cultural no Brasil. Seja pela necessidade de fortalecer o simbolismo nacional ou pelo início de uma transformação do Brasil Rural em Brasil Urbano, a criação de diversas instituições públicas na área da cultura pelo “modernista” Ministro Gustavo Capanema – ladeado pelo seu chefe de gabinete, poeta Carlos Drumond de Andrade e outros intelectuais, como Oscar Niemeyer, Lúcio Costa e Cândido Portinari – apresentavam o caráter constitutivo do período. Por um lado, a censura, o exílio, a tortura. Por outro, as legislações para o cinema, as artes, o reconhecimento das profissões culturais. Se antes a cultura era vista como uma prática dos privilegiados ou um bem supérfluo, neste período, entra na cena política, se consolidando como uma dinâmica que por diversas vezes se aliou ao autoritarismo.
Visto por alguns como um caráter contraditório entre a ditadura e o incentivo à cultura, o projeto político de Vargas era de controle do Estado em todas as esferas da sociedade num momento em que a cultura, com o auxílio do movimento Modernista, adquire um status de fonte de constituição de um projeto de Brasil.
Na breve primavera democrática que se seguiu à Era Vargas (1945/1964), observou-se uma menor intervenção estatal na cultura. Entretanto, manifestações culturais como o CPC da UNE e o Movimento de Cultura Popular cujo um dos principais expoentes foi o educador Paulo Freire, afloraram. Mas, no âmbito estatal talvez a principal ação foi o desmembramento do Ministério de Educação e Saúde (MES) e a criação do Ministério da Educação e Cultura e do Ministério da Saúde (1953).
Já em 1972, o então senador governista, José Sarney, apresentou um projeto de lei que propunha incentivos fiscais à cultura. Capitaneada pelo Ministro da Fazenda, Antonio Delfin Neto, a área econômica do Governo Médici conseguiu bloquear a iniciativa. A cultura continuou sem uma política pública e sem verba proveniente do Estado.
Após a eleição indireta para Presidente da República, e no seu último dia de mandato como parlamentar, José Sarney reapresentou o projeto de lei de incentivos fiscais. Com a vacância na presidência, decorrente da morte do Presidente eleito Tancredo Neves, Sarney assumiu a Presidência e, no ano seguinte, o projeto de lei tornou-se a Lei 7.505/86. Desde então, os incentivos fiscais tomaram parte da agenda e do debate sobre o financiamento da Cultura.
2. O “FINANCIAMENTO AOS COMPADRES”: A LEI 7505/86 (LEI SARNEY)
Se na década de 1930, na gestão do Ministro Capanema, pode-se dizer que se inaugurou a intervenção estatal na cultura e com ela uma política cultural de Estado, em 1986 temos um novo marco. Muitos artigos[2] apresentam a Lei Sarney como a entrada de um novo ator na política cultural: o empresário e junto com ele o “mercado”. A despeito destas análises, o que mais chama atenção nesta lei não é a opção pelo mercado, mas, principalmente, as brechas legais que favoreciam toda sorte de irregularidades. A seguir apresentam-se os principais artigos da Lei Sarney (grifo do autor):
“Art. 8º As pessoas jurídicas beneficiadas pelos incentivos da presente Lei deverão comunicar, para fins de registro, aos Ministérios da Cultura e da Fazenda, os aportes recebidos e enviar comprovante de sua devida aplicação.
Art. 12. As doações, patrocínios e investimentos, de natureza cultural, mencionados nesta Lei serão comunicados ao Conselho Federal de Cultura, para que este possa acompanhar e supervisionar as respectivas aplicações, podendo, em caso de desvios ou irregularidades, serem por ele suspensos.
Art. 13. A Secretaria da Receita Federal, no exercício das suas atribuições específicas, fiscalizará a efetiva execução desta Lei, no que se refere à realização das atividades culturais ou à aplicação dos recursos nela comprometidos”. (lei 7505/86)
Numa primeira análise, pode-se concluir que as ações “apoiadas” pelas empresas deveriam apenas serem comunicadas aos órgãos responsáveis – ao MinC, por ser o condutor da “política cultural” e ao Ministério da Fazenda por ser impactado pela renúncia fiscal. Os projetos culturais não eram avaliados em mérito, territorialidade da execução, tipo de atividade cultural ou mesmo se eram ou não com fins lucrativos (bilheteria, vendas de livro etc.): havia apenas a comunicação ao órgão competente. A fiscalização era sobre a efetiva execução orçamentária. A relação sociedade e Estado na aplicação dos benefícios fiscais federais não chegava nem mesmo a uma relação de mercado, mas, sim, uma relação entre “compadres” favorecendo a todo tipo de relações privadas de interesse e afinidade.
Do ponto de vista da renúncia fiscal, SARCOVAS (2008) afirma que:
“a chamada "Lei Sarney" apresentava característica única. Nos países que dispunham desse tipo de legislação, incentivo fiscal era o direito do contribuinte de abater de sua renda bruta doações a instituições culturais. A lei brasileira permitia, além disso, que parte do valor fosse deduzido do imposto a pagar”. (SARCOVAS, 2005).
Ou seja, o que era considerado uma forma de evitar a bi-tributação se transforma, no Brasil, em uma forma de privatizar recursos públicos para fomentar, de acordo com o interesse da empresa, a cultura. Estava inaugurado o marketing cultural:
“Muitas empresas que tinham uma imagem horrível no meio de formadores de opinião, tão logo passaram a investir nesse tipo de marketing cultural, viram perdoados seus “crimes” cometidos no passado. Perdoados e esquecidos. E com crédito para o futuro. Marketing cultural funciona como sedativo e como vacina”. (CASTRO NEVE, 2000, p.134, grifo do autor)
Com a lei Sarney, o principal mecanismo de financiamento da cultura passa a ser o “mercado”. Mas, não o mercado incentivado por benefícios, mas o mercado utilizando recursos públicos renunciados pelo Estado e direcionando estes recursos discricionariamente.
A partir desta lei, toda a discussão sobre o financiamento à cultura e as próprias políticas públicas culturais refletirão nas ações governamentais até a contemporaneidade.
3. A LEI 8313/91 (lei ROUANET): INCENTIVO E SELETIVIDADE CONTROLADA PELO ESTADO?
As críticas à lei Sarney foram muitas e severas. De um lado, a área econômica, mesmo sob o comando do Presidente Sarney, alertava para a possibilidade da perda de receita e de possíveis irregularidades difíceis de fiscalizar. Por outro, os excluídos do “financiamento de compadrio” acusam-na de fomentar o favorecimento. Nenhuma ação de aprimoramento ou que implicasse no ordenamento na intermediação entre os produtores e os novos mecenas foi estabelecida no período.
Com ascensão à presidência de Collor de Mello (1990/1992) e com ele, do receituário neoliberal, o MinC também foi desmontado. Tornou-se Secretaria Especial e diversos de seus órgãos foram extintos, assim como a lei Sarney.
Já com o diplomata Sergio Rouanet como Secretário de Cultura, foi promulgada em 1991, a nova lei que “restabeleceu” os princípios da lei Sarney e retomou o papel do Estado na nova configuração da política cultural: o Estado passaria a captar e canalizar os recursos para a área cultural, incentivando ainda, a doação. Entretanto, a grande modificação gerada pela lei, o Programa Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC), só viria a ser regulamentado no Governo Fernando Henrique Cardoso sob a administração do Ministro Francisco Welfort (1995).
A lei Rouanet distinguiu recursos de incentivos a projetos culturais (mecenato) dos recursos de doação. Além dessa estratégia, criou o Fundo Nacional de Cultura (FNC) e o Fundo de Investimento Cultural e Artístico (FICART). O FNC seria utilizado para financiar atividades com mérito cultural e que não tinham interesse pelo mercado. Já o FICART regulava os investimentos capitalistas em empreendimentos culturais com fins lucrativos.
Segundo DÓRIA (2006), entretanto, tais mecanismos nunca funcionaram de forma transparente, isonômica e sob controle social: o FNC nunca primou pela transparência na escolha dos projetos ou mérito, reproduziu a obscuridade no financiamento do que seria o mérito cultural. O FICART, inicialmente desconhecido do investidor capitalista em cultura, teve os seus benefícios superados por outras políticas de renúncia fiscal adotadas posteriormente.
Apesar de no caput da lei Roaunet constar que esta “restabelece princípios da Lei n° 7.505” (lei 8363/86), a lei modificada no Governo Cardoso introduziu a necessidade dos projetos culturais serem aprovados pelo MinC, certificados, e com tempo determinado para captar recursos para sua execução. Por outro lado, limitava um valor anual de renúncia fiscal por parte das empresas. E criava, ainda, a figura do captador de recursos remunerados: um intermediário entre a empresa e os produtores culturais.
Neste ponto, cabe ressaltar ainda, o marco principal pós-lei Sarney: a lei do Audiovisual. Em 1993, o então Presidente Itamar Franco, comprometido com a classe artística que lhe ofereceu apoio após o impeachiment do seu antecessor, promulgou uma lei que permitia que o investidor deduzisse do imposto de renda integralmente as cotas de patrocínio para a produção de filmes e, como se não bastasse, lançasse como despesa, reduzindo, ainda mais, o imposto.
Somando-se a possibilidade de dedução da lei Rouanet (5%) com a do Audiovisual (3%), as empresas puderam abater 8% do Imposto de Renda enquanto a alíquota máxima permitida pela Receita Federal era de 5% de dedução. Estava criado o “mercado de incentivos fiscais”.
Ao observarem as distorções da lei do Audiovisual, novamente os excluídos das “benesses” do mercado de “incentivos fiscais” iniciaram pressão sobre o então ministro Welffort. Este, já ciente do erro cometido no governo anterior, diz-se sem condições de evitar as pressões. O resultado foi que: em 1997, a medida provisória 1589/97 permitiu, arbitraria e discricionariamente, a dedução de 100% para projetos de "artes cênicas; livros de valor artístico, literário ou humanístico; música erudita ou instrumental; circulação de exposições de artes plásticas; doações de acervos para bibliotecas públicas e para museus" (MP 1589/97).
Mas, as pressões não pararam. Já tendo todas as facilidades de obter recursos junto à iniciativa privada, sem contrapartida inserida na lei do Audiovisual, os cineastas reivindicaram serem agraciados também pelas deduções introduzidas pela MP 1589/97. Mesmo com a posição contrária da área econômica, tal pleito foi atendido. E assim, aconteceu o “renascimento” do Cinema Brasileiro: renúncia fiscal, direcionamento do mercado e alijamento da concorrência de outras áreas culturais sem poder de pressão midiático.
Analisando o efeito da Lei do Audiovisual tendo como referência a renúncia fiscal do Estado, o pesquisador na área de cultura Yacoff Sarcovas diz:
“O chamado renascimento do cinema brasileiro foi financiado por um sistema que consumia R$ 124 de dinheiro público, sem qualquer contrapartida privada, para que R$ 40, em média, chegassem a um filme:
Modelo de operação na Lei do Audiovisual
- Valor bruto investido no filme: R$ 100
- Comissão de intermediação: R$ 30 > 30%
- Recompra do certificado: R$ 30 > 30%
- Valor líquido recebido pelo filme: R$ 40
- Dedução direta do imposto a pagar: R$ 100 > 100%
- Dedução do imposto como despesa operacional: R$ 24 > 24%
- Gasto com dedução de impostos públicos: R$ 124 > 124%
- Desperdício dos recursos públicos investidos: R$ 84 > 68%” (SARCOVAS, 2005).
A entrada em cena do empresário, travestido de mecenas com recursos públicos, atraiu para o centro do poder, uma classe então distanciada: a artística. Inicia-se a caminhada lado a lado da economia e da cultura.
Conforme afirma BOURDIER (2004), esta conjunção entre mercado e cultura pode provocar a transformação no sistema de bens simbólicos que pode ir desde a produção até a circulação da cultura, ou seja, na reconfiguração do “mercado de bens simbólicos”.
4. O DECRETO Nº 5761/2006: REGULAMENTAÇÃO E DIRECIONAMENTO DO PROGRAMA NACIONAL DE APOIO À CULTURA (PRONAC)
Em 2003, assumiu o Ministério da Cultura, o cantor Gilberto Gil. Em seu discurso de posse, apontou para uma futura inflexão em relação às políticas anteriores – ou nas suas ausências. Afirmava que “formular políticas culturais é fazer cultura” (GIL, 2003, p.11). Em vários outros discursos, dizia-se crítico da política de incentivo fiscal vigente, criticando a ausência do Estado e sua substituição e submissão ao mercado. Sinalizava que os recursos da cultura iriam induzir a política cultural ativa. O discurso era o da abrangência, descentralização e pulverização dos recursos com o objetivo de aplicar um “do-in antropológico” nas áreas vitais da cultura nacional. Era o discurso da universalização da atuação do Estado na política cultural em contraponto à focalização dos recursos comandada pelos empresários produzida pelo mecanismo de alocação de recurso públicos, travestidos de privados, através da renuncia fiscal, via mercado e ditames do marketing cultural empresarial.
Ao apontar que as políticas públicas indutoras das atividades culturais seriam a sua marca de gestão, o MinC recebeu as primeiras críticas do suposto projeto de “dirigismo estatal”.
Estas críticas vieram dos grandes (no sentido de captadores de recursos) cineastas capitaneados por Luis Carlos Barreto e Cacá Diegues. Foi este mesmo grupo que vivenciou o renascimento do cinema nacional na década de 1990 e que temia a perda de privilégios.
Como argumento aos desafios que estavam assumindo, o MinC apresentou um estudos da Boucinhas e Campos Consultores (2002) sobre a aplicação dos recursos do Mecenato e dos Incentivos para o período de 1998/2001:
O fato de o empresário ter a liberdade de mercado para escolher qual projeto cultural financiar, o recurso a ser investido e, principalmente, onde financiar, pode explicar a concentração das produções culturais nas regiões Sul e Sudeste.
Em uma análise sobre a diversidade cultural brasileira e o modelo de desenvolvimento social adotado, BRANT (2003) faz uma crítica ao modelo neoliberal de política cultural adotado no Brasil:
“Parecia razoável a existência de um dispositivo que pudesse encontrar uma interseção de interesse entre a política pública e o capital em benefícios da sociedade. Perfeito, mas o governo teria de exercer sua função constitucional de planejador, regulador e fiscalizador da sociedade, implementando uma política capaz de separar o joio do trigo, listando ações e projetos de interesse público. No entanto, a recente história das leis mostra um quadro completamente diferente disso, restringindo os benefícios do sistema aos produtos e eventos artísticos, limitando o entendimento da cultura à sua parte efêmera e menos importante no cumprimento do processo de desenvolvimento cultural da nação.” (Brant, 2003, p.10).
Enquanto buscava no interior do governo mais recursos orçamentários para execução da política cultura, o MinC iniciou ações de coordenação com as empresas estatais responsáveis por significativa parcela do patrocínio à cultura – notoriamente a Petrobras e a Eletrobras– visando uma maior eficácia e eficiência na política cultural, objetivando uma estratégia inclusiva e uma alocação racional dos recursos públicos. Tal estratégia abrangeu, ainda, um banco público, a Caixa Econômica Federal (CAIXA), que passa a vincular seus recursos de patrocínio cultural à preservação de museus e patrimônios históricos. Com esta orquestração promovida pelo MinC, recursos foram paulatinamente sendo direcionados para novos programas e ações como as implementadas pelo Programa Cultura, Identidade e Cidadania – atual Cultura, Educação e Cidadania: Programa Cultura Viva.
Abaixo apresenta-se uma série histórica da administração do Ministro Gilberto Gil (2004/2007) com as dotações orçamentárias dos Programas do MinC:
Tabela 1: Dotação para cada Programa do MinC no exercício de 2004
Tabela 2: Dotação para cada Programa do MinC no exercício de 2005
Tabela 3: Dotação para cada Programa do MinC no exercício de 2006
Tabela 4: Dotação para cada Programa do MinC no exercício de 2007
Conforme pode ser observado nas tabelas acima extraídas do Balanço Geral da União (CGU, 2004, 2005, 2006 e 2007),. não apenas a dotação orçamentária, como o descontigenciamento das verbas dos programas do MinC, sofreram um aumento considerável – no agregado, subiu cerca de 77%.
Na tabela abaixo, apresenta-se uma seleção das verbas destinadas ao Programa Cultura, Educação e Cidadania que demonstra a importância que esta ação vem ganhando no interior do MinC no período de 2004/2007:
Tabela 5: Dotação para o Programa Cultura, Educação e Cidadania (Cultura Viva) no período 2004-2007
Exercício fiscal
LEI + CRÉD. (A)
LIMITE LIBERADO (B)
EMPENHADO (C)
% (D=C/A)
% (E=C/B)
2004
14.899.029
4.073.738
4.073.733
27,3
100,0
2005
67.845.311
53.854.365
53.822.384
79,3
99,9
2006
50.977.644
45.621.413
45.621.413
89,5
100,0
2007
148.585.301
127.333.929
126.550.088
85,17
99,4
Fonte: Victor Neves, a partir dos Balanços Gerais da União (mimeo, 2008).
Se o Programa Cultura Viva tem seus recursos multiplicados por dez em quatro anos, em valores absolutos e frente a outros programas do MinC, reconhece-se que os valores aplicados em um programa que tem como objetivo certificar/reconhecer a cultura popular nacional ainda é bastante baixo. Isto dentro de um contexto de exclusão cultural elevado e com a produção e fruição de bens culturais concentrados regionalmente e nos extratos de renda mais elevados.
5. INDICADORES DA EXCLUSÃO CULTURAL NO BRASIL
Em estudo divulgado pelo MinC em 2007, apesar de três anos após o início do Programa Cultura Viva, os indicadores de exclusão cultural no Brasil retro-alimentam a exclusão social.
Dentre os itens analisados, cabe ressaltar os seguintes indicadores:
• Apenas 13% dos brasileiros freqüentam cinema alguma vez por ano;
• 92% dos brasileiros nunca freqüentaram museus;
• 93,4% dos brasileiros jamais freqüentaram alguma exposição de arte;
• 78% dos brasileiros nunca assistiram a espetáculo de dança, embora 28,8% saiam para dançar;
• Mais de 90% dos municípios não possuem salas de cinema, teatro, museus e espaços culturais multiuso;
• O brasileiro lê em média 1,8 livros per capita/ano (contra 2,4 na Colômbia e 7 na França, por exemplo);
• 73% dos livros estão concentrados nas mãos de apenas 16% da população;
• O preço médio do livro de leitura corrente é de R$ 25,00, elevadíssimo quando se compara com a renda do brasileiro nas classes C/D/E;
• Dos cerca de 600 municípios brasileiros que nunca receberam uma biblioteca, 405 ficam no Nordeste, e apenas dois no Sudeste;
• 82% dos brasileiros não possuem computador em casa, destes, e 70% não tem qualquer acesso a internet[3] (nem no trabalho, nem na escola);
• 56,7 % da população ocupada na área de cultura não têm carteira assinada ou trabalha por conta própria;
• A média brasileira de despesa mensal com cultura por família é de 4,4% do total de rendimentos, acima da educação (3,5%), não variando em razão da classe social, ocupando a 6ª posição dos gastos mensais da família brasileira.
Fonte: Ministério da Cultura, 2007.
Estes indicadores mostram que as ações inovadora e/ou criativas que o MinC diz estar realizando ainda não apresentaram resultados no agregado da exclusão cultural.
No gráfico abaixo se pode observar a distribuição concentrada no extrato de renda A/B dos principais itens que compõe a “cesta cultural” brasileira.
Fonte: “Coleção Cadernos de Políticas Culturais, vol 3”. MinC / IPEA, 2007.
Há distribuição relativamente uniforme do consumo cultural entre as classes A, B e C. No extrato D/E há variações nos bens e na composição destes. Inicialmente, o impacto da microinformática nesta cesta de bens, assim como o de livros, apontam para o enorme desafio da inclusão digital e de políticas estruturantes para modificação mais profunda da desigualdade social (educação). No que concerne aos dois itens de maior impacto no consumo deste extrato da população – audiovisual e indústria fonográfica – a hipótese assumida por órgãos do governo (notadamente a Receita Federal) é que estes itens são adquiridos na economia informal com gravações de baixa qualidade (dvds e cds denominados piratas).
Para ilustrar a desigualdade regional na oferta de bens culturais no país reproduzimos, a seguir, a plotagem dos Equipamentos Culturais[4] segundo o IBGE em 2006.
Mapa 1: Municípios com equipamentos culturais: Brasil, 2006
6. O PROGRAMA CULTURA, EDUCAÇÃO E CIDADANIA: CULTURA VIVA
Nos diversos momentos em que as diversas políticas culturais de governo estiveram no centro de um debate[5] sobre os destinos da cultura no Brasil - seja nos períodos de intervenção estatal, seja nos períodos de ausências de políticas para o setor – a diversidade cultural popular não fez parte do pano de fundo principal das questões. A cultura afro-brasileira, indígena e quilombola, na maioria das vezes em que houve política cultural, sempre foram relegadas a um plano menor. Rubim (2008) diz que:
eram consideradas manifestações não dignas de serem chamadas e tratadas como cultura, quando não eram pura e simplesmente reprimidas e silenciadas. Nenhuma política e instituição mais permanente foram implantadas para as culturas populares, apesar de algumas mobilizações, acontecidas no período democrático de 1945 a 1964, a exemplo da Campanha Nacional do Folclore e do Movimento de Cultura Popular, conformado pelos governos de Arraes, em Recife e Pernambuco. Pelo contrário, tais manifestações foram antes reprimidas. A cultura indígena foi completamente desconsiderada, quando não sistematicamente aniquilada. A cultura afro-brasileira, durante anos perseguida, só começou a merecer algum respeito do estado nacional, pós ditadura militar, com a criação da Fundação Palmares em 1988, resultado das pressões do movimento negro organizado e do clima criada pela redemocratização do país. (pg. 189)
O MinC se estruturou a partir de 2003, buscando trazer para o centro do debate público, o fortalecimento da cultura popular, visando construir uma nova hegemonia. Neste sentido, o Programa Cultura Viva foi constituído, buscando articular ações transversais dentro do Governo e dialogar com a sociedade civil. A visão inicial foi a de que “é preciso ir além de uma política de Estado, afinal, o Estado ainda é de tão poucos” (TURINO, 2006).
Assim, nos seus objetivos, o Programa busca “garantir o acesso aos bens culturais em meios necessários para a expressão simbólica e artística; promover a diversidade cultural e social, a auto-estima, o sentimento de pertencimento, a cidadania, a liberdade dos indivíduos, o protagonismo e a emancipação social; qualificar o ambiente social das cidades, ampliando a oferta de equipamentos e os espaços que permitem o acesso à produção e à expressão cultural; gerar oportunidades de emprego e renda para trabalhadores das micro, pequenas e médias empresas, assim como empreendimentos de economia solidária no mercado cultural brasileiro” (MinC, 2007).
A seguir apresenta-se o discurso oficial dos objetivos do programa. Cabe, ainda, uma pesquisa mais abrangente com objetivo de avaliar o quanto do discurso oficial se tornou experiência prática.
Para articulação entre o Estado e a sociedade civil, foi criado o Ponto de Cultura. Considerado com ação prioritária do Programa Cultura Viva desempenha o papel de articula todas as demais ações do Programa. Trata-se da constituição/certificação/reconhecimento de centros comunitários de produção cultural financiados pelo Ministério da Cultura. Inicialmente, os primeiros Pontos de Cultura (PCs) surgiram como ações de reconhecimento de grupos comunitário pré-existentes e/ou estruturas culturais em andamento. São selecionados por edital público e articulam atividades já existentes nas comunidades. Trata-se de territorializar estas atividades induzindo recursos para as comunidades. Os valores destinados para cada Ponto de Cultura inicialmente foi de R$ 185 mil (cento e oitenta e cinco mil reais) dividido em cinco parcelas durante dois anos e meio. Junto a estes recursos é adicionada uma verba de R$ 20 mil (vinte mil reais) para a aquisição de equipamentos multimídia em software livre.
Com estes recursos, o MinC passa a fortalecer a utilização do software livre (diretriz de governo) através da ação denominada Cultura Digital. Visa democratizar a produção de programas colaborativos para computadores, estabelecer interconexões e debates sobre a cultura no suporte digital.
Visando a conexão entre os Pontos de Cultura, foi criada a Rede de Pontos de Cultura, além de fóruns regionais e nacional (denominados Teia). Atualmente existem 824 Pontos de Cultura em todo o país(TEIA, 2008).
Enquanto a Rede Pontos de Cultura busca a conexão entre os Pontos, as ações denominadas Escola Viva busca integrar os Pontos de Cultura às escolas. Fruto de uma reflexão sobre a desarticulação entre cultura e educação provocada por seguidas políticas de delimitação de espaços de atuação governamental, o Escola Viva busca resgatar esta integração e ações em dois eixos: aproveitar experiências inovadoras geradas nas escolas e transformar algumas destas em Pontos de Cultura. No desenvolvimento do projeto alguns Pontos de Cultura se articularam com escolas públicas municipais e estaduais ajudando na implementação do ensino integral (aulas regulares nas escolas e no turno anteriormente sem atividades, os alunos passaram a freqüentar as oficinas e atividades culturais oferecidos pelos Pontos de Cultura[6]. Esta ação iniciou em maio de 2007 e já se articula com outros programas governamentais como o Escola Aberta. Entretanto, apesar desta articulação ao nível governamental, a experiência de integração entre o Escola Aberta e a ação Escola Viva ainda não ocorreu na prática. Na prática, o Escola Viva está ainda em fase de implantação. No município de Nova Iguaçu/RJ, a articulação deste programa se deu via projeto Bairro-Escola. Na sua dimensão municipal, o Escola Viva/Bairro Escola visa formar Pontos de Cultura (conhecidos como Pontinhos de Cultura em Nova Iguaçu) municipais que articulem cultura e educação. Dos 3 milhões de reais investidos no programa, 50% virão da parceria com o MinC e, os Pontinhos de Cultura, serão selecionados via edital. Na verdade, será uma ação de reconhecimento/certificação de atividades promovidas por instituições que atuam/atuarão junto ao Bairro-Escola disponibilizando atividades culturais, esportivas e de lazer aos alunos do segundo seguimento das escolas públicas[7].
Como estratégia de permanência de jovens de baixa renda (16 a 24 anos, com renda familiar menor ou igual a um salário mínimo) nas oficinas relacionadas à cultura, o Cultura Viva estabeleceu uma parceria com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), mais especificamente com o Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego, para o pagamento de uma bolsa-auxílio no valor de R$ 150,00 (cento e cinqüenta reais) durante os seis meses iniciais de atividades no Ponto de Cultura. Estes jovens, denominados Agentes Cultura Viva, atingiram o número de 10.800 em 2007 (MinC, 2007).
No intuito de implementar ações de reconhecimento e estímulo à tradição oral nas comunidades populares, os Pontos de Culturas que tem mestres e aprendizes “contadores de estórias”, artesanatos, representantes da cultura afro-brasileiras e demais atores sociais que adquiriram, reelaboram e repassam conhecimentos de antepassados são certificados como Griôs[8]. O griôs recebem, no período de um ano, uma bolsa no valor de um salário mínimo para divulgar a tradição oral no país. É uma oportunidade, ainda, de se reconhecer os produtores culturais anônimos, lhes dando luz e estimulando a sistematização deste conhecimento popular. Objetiva-se, também, estabelecer vínculos entre os educadores dos Pontos de Cultura, comunidade e fortalecer a identidade local.
Iniciado, em 2004, a partir das atividades culturais pré-realizadas pelo grupo Grãos de Luz e Griô de Lençóis (BA), em 2008 as ações Griôs já beneficiavam 650 mestres e aprendizes interconectados a 824 Pontos de Cultura.
Os beneficiários
O programa Cultura Viva, ao buscar reconhecer e estimular a cultura popular tem como público beneficiário a populações de baixa renda, estudantes da rede básica de ensino, comunidades indígenas, rurais e quilombolas, agentes culturais, artistas, professores e militantes que desenvolvem ações no combate à exclusão social e cultural.
Tendo sido formulado como uma política social onde a cultura atua como uma forma de inserção social, o Cultura Viva atua de forma indutiva. Ao buscar a interconexão entre os saberes culturais populares e a comunidade local, os Pontos de Cultura são reconhecidos como locais de preservação e reconstrução da identidade local sob a forma de adesão. Os editais públicos que estabelecem a transformação destes espaços de construção da cultura popular em Pontos de Cultura inicialmente esteve a cargo do MinC.
Com o desenvolvimento dos PCs e com uma ambiciosa meta de se reconhecer 10 mil Pontos de Cultura até 2010, o Ministério da Cultura passa atuar na busca de descentralizar administrativamente estas ações tendo como referência a municipalização desta atividade por supor que, ao ficar mais próximo do cidadão, o PC poderia ser melhor gerido e os recursos melhor fiscalizados. A partir de 2007, as secretarias estaduais de cultura passam a poder aderir ao Programa Cultura Viva e estabelecer ações dos Pontos de Cultura com recursos repassados pelo MinC.
Tanto no momento inicial, como agora, na fase de descentralização, o reconhecimento de determinada ação cultural é feita após avaliação realizada por técnicos do MinC e, nos estados onde o PC teve a gestão compartilhada, pela equipe técnica da secretaria estadual de cultura – também sob a forma de chamamento público.
7. AVALIAÇÃO PILOTO
Em 2006, o Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (LPP/UERJ) realizou, sob encomenda do MinC, uma avaliação preliminar do Programa Cultura Viva. Em 2008, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) vem realizando uma pesquisa em todos os 824 pontos de cultura que será disponibilizada em meados de 2009.
As principais análises do LPP referente ao Programa têm como objetivo avaliar se os PCs atingiram as metas pré-estabelecidas.
Desta avaliação cabem ser ressaltados alguns indicadores:
Com relação à faixa etária, 97% do público beneficiário era formada por jovens (entre 16 e 24 anos), oriundos de comunidades populares e em vulnerabilidade social. Corroborando a atuação dos jovens nos PCs, em 2008, na 1ª Conferência Nacional de Políticas Públicas de Juventude ocorrida em Brasília (DF.) o tema Cultura apareceu como a terceira[9] em quantidades de proposta (449).
Outro aspecto importante apresentado pelo LPP/UERJ foi que mais da metade dos PCs promovem articulações com instituições públicas municipais, estaduais ou federais.
Com os indicadores de exclusão cultural (IEC) apresentado anteriormente demonstrando a dificuldade de acesso aos bens culturais, os PCs se preocupa(ra)m em garantir a produção e fruição de tais bens. Assim, na avaliação piloto, destaca-se que 81% dos PCs atuam com objetivo de garantir a difusão cultural, 67% a produção e que, 54% dos Pontos de Cultura atuam com objetivo de garantir o acesso à cultura em termos mais gerais.
Ainda dialogando com o IEC, verifica-se que grande parte das comunidades beneficiadas com a implementação dos Pontos de Cultura obteve, pela primeira vez, acesso a bens culturais que historicamente mantém sua concentração em áreas de alta e média-alta renda. Isto porque em 62% dos PCs existem bibliotecas, 51% têm auditório, em 45% existem sala de exposição e, em 21% existem cinemas (cineclubes que agregam à exibição de filmes, debates freqüentemente relacionados à cidadania, direitos sociais e culturais).
8. DESAFIOS
O gerenciamento de uma política cultural e a própria concepção de política cultural a ser adotada dependerá, em última instância, da correlação de força dos atores sociais no aparelho do Estado.
A implementação de uma proposta de política cultural ativa – mesmo que no governo Lula, os recursos desta política seja ladeada à utilização dos recursos de renúncia fiscal e de parcerias, assim como em governos anteriores - é uma das marcas da gestão atual do Ministério da Cultural e, principalmente do discurso oficial. Entretanto, nesta nova formulação de política cultural, não se obteve sucesso na rediscussão das políticas de incentivo fiscal como um todo.
Obteve-se alguns ajustes na lei Rouanet, como a criação de comissões nacionais destinadas a avaliar proposta no âmbito do FNC ou no de incentivo à cultura com participação de membros da sociedade civil. E, reviu-se, para baixo, os valores máximos de dedução do imposto de renda para pessoas físicas ou jurídicas, tanto para doação, como para patrocínio.
Contudo, o valor do incentivo fiscal ainda se constitui em uma importante parcela nos recurso de financiamento da política cultural e vem crescendo nos últimos anos. Apenas com o somatório entre o valor disponibilizado no orçamento da União com estas renúncias fiscais o gasto do governo chegou a 0,9% do PIB nacional (dados do MinC de 2007). Outro ponto a ser melhor avaliado é o deste aumento de recursos do incentivo fiscal. Apesar de ter atingido um bilhão de reais para ser captado no mercado, os produtores culturais não conseguiram alargar a fronteira entre as empresas doadoras. Importante papel vem sendo desempenhado pelas empresas estatais como fruto da orquestração realizada pelo MinC.
Já a estratégia de fazer política cultural fazendo cultura (GIL, 2003, p.11) gerou o Programa Cultura Viva. Os principais desafios do programa continuam sendo como enraizar a produção cultural popular, em um país da dimensão do Brasil, interconectá-la com os demais atores envolvidos, gerar mecanismo de sustentabilidade ou, na guerra midiática, convencer a sociedade que o papel de uma política cultural de caráter social é destinar recursos públicos de fundos nacionais para expressões culturais que estão à margem dos mecanismos de mercado. Ou seja, a definição do papel do Estado brasileiro, na configuração de uma política cultural, apesar de já regulamentada no artigo 125 da Constituição Federal[10] (1988), ainda é objeto de discussão, implementação e regulação.
O processo de inflexão de uma política cultural via mercado fortemente marcada no período do Governo Collor e Cardoso ainda aparece mais no discurso do que nas experiência vivenciadas pelo MinC. A tensão entre a autonomia dos agentes culturais e sua dependência do mercado para captação também deve ser melhor analisada. Por outro lado, a correlação de forças existente dentro do governo Lula aponta para uma indefinição do papel do Estado na cultura. Essas e outras questões levantadas deverão ser objeto de análises para se dimensionar os reais impactos e determinantes da política cultural contemporânea.
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[1] Para uma análise histórica da trajetória da política cultural no Brasil ver Miceli (1985), Botelho (2001), Coelho (2004) e Rubim (2007), entre outros autores.
[2] Para uma discussão sobre o papel da Lei Sarney na nova forma de financiamento na Cultura, ver Rubim (2007), Nascimento (2008) e Sarcovas (2008), entre outros.
[3] Os indicadores de inclusão digital frequentemente utilizado pelos veículos de informação são dispares dos aqui apresentados, pois incluem acesso à Lan House, local mais associado à diversão e lazer do que de espaços de pesquisa e aprendizagem.
[4] Os equipamentos culturais apresentados referem-se a: existência de exposição fotográfica, existência de feiras de livros, existência de festivais de teatro, existência de concursos literários, existência de exposição de artes plásticas, existências de bibliotecas públicas, existências de centro culturais, existência de rádios e tvs comunitárias e existências de TVs de sinal aberto.
[5] Para uma discussão sobre ausência, instabilidade e presença de políticas culturais no Brasil, ver Márcio de Souza (2000), José Álvaro Moises (2001), Rubim (2007).
[6] Entre as diversas experiências que contemplam a visão da escola em tempo integral deve-se citar a de Nova Iguaçu/RJ. Para uma breve apresentação desta ação ver CEPEC (2008).
[7] Revista Z - Revista Virtual do Programa Avançado de Cultura Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro – PACC/UFRJ, Ano IV, nº 3, agosto/setembro, 2008,. Disponível em:
[8] A origem do termo tem diversas versões. O MinC (2007) informa que o termo tem origem da palavra francesa griot, usada por jovens africanos que foram estudar em universidades francesas e que se preocupavam com a preservação de seus contadores de histórias, que carregam consigo a tradição oral. Historiadores sustentam que o termo é usado em alguns países da Africa para designar os homens responsáveis por manter viva a memória da tribo. Seria esta uma função social.
[9] Educação e Trabalho foram os temas que apresentaram as maiores quantidades de propostas (1.087 e 506, respectivamente).
[10] “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”.Fonte: Constituição Federal (art. 125, 1988).
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